Nasci no dia 18 de março de 1985, em Brasília. Somente aos seis meses foi descoberto que tinha paralisia cerebral, pois não me desenvolvi como um bebê de seis meses. Não se sabe o que a provocou, mas o resultado é que não posso andar, tenho poucos movimentos com as mãos, falo mal, leio devagar, entre outras coisas.
Quando nasci, minha mãe trabalhava no hospital como enfermeira e, depois de um tempo, escolheu parar de trabalhar para ficar só comigo. Ela conta que quando ainda era bebê, lia cartilhas educativas para mim tentando desenvolver meu intelecto e buscava tratamentos que melhorassem minha condição de vida. Meu pai também sempre buscou tratamentos, tanto quanto ou mais que a minha mãe, talvez mais. Acho que ele não se conformava muito e inventava coisas boas para eu ter a maior liberdade possível. Ele fazia de tudo para eu ter ao menos uma vez as aventuras que qualquer criança tem, como andar de bicicleta, fazer uma trilha no meio do mato, nadar num belo rio cheio de peixes, etc.
Assim, com o amor dos meus pais, virei uma criança feliz e saudável. Aos cinco anos mudamos de Brasília. Fomos morar na cidade de minha mãe em Belo Horizonte. Meu pai ia visitar minha irmã e eu, e, nas férias, levava a gente para Brasília. Minha mãe me colocou numa escola para especiais, chamada Brincar. Essa escola separava os que tinham condições de serem alfabetizados dos que não tinham. Lá fui alfabetizada pelo primeiro método de alfabetização em computadores do Brasil. Depois que aprendi a usar o computador, ele virou tudo na minha vida. Minha fonte de comunicação, meu caderno e minha prancheta de desenhos.
Na escola…
Voltei para Brasília e a diretora da escola Brincar disse que tinha totais condições de ir para uma escola regular e assim minha mãe o fez, colocando-me na escola Monteiro Lobato. Tinha condições de entrar na primeira série, mas não consideraram a alfabetização que tinha e acabei entrando no pré-primário. Porém foi bom, pois a turma era pequena e a professora ótima. Ela quem fazia tudo comigo e me avaliava da maneira que era mais conveniente de acordo com a minha dificuldade.
Mudei de série e consequentemente tudo mudou. Como a turma era grande a professora não tinha como me dá atenção suficiente. Sendo assim, a escola chamou uma estudante de psicologia chamada Adriana. Ela fazia as provas e deveres comigo na escola. Fora isso ela era a irmã bem mais velha que sempre quis ter. Vivi momentos maravilhosos com ela, mesmo depois dela ter parado de me acompanhar na escola, afinal ela ficou apenas um ano me acompanhando.
Fui para escola pública no ano seguinte. O primeiro dia de aula foi um choque para a escola inteira ao me ver, pois minha mãe não havia dito nada sobre mim ao me matricular. Alguns professores falavam ao meu lado, provavelmente achando que eu não ouvia e que eu não tinha capacidade de ficar na escola. Mas nem eu nem minha mãe ligávamos para o que os outros pensavam. Assim fomos em frente. Minha mãe sempre enfrentou o preconceito de frente. Tive vários professores que duvidavam da minha capacidade, pois por anos minha mãe era quem fazia as provas comigo. Ela nunca me ajudou e brigava comigo quando não sabia. Lembro-me de uma professora de português que fazia provas extensas, com mais ou menos 50 questões para a turma da sexta série. Minha mãe e eu demorávamos o dia todo, pois eu lia e dizia a resposta para ela escrever. Minha mãe dizia para a professora diminuir minhas provas, mas em resposta ela dizia que se fizesse isso estaria me diminuindo. Um dia minha mãe não pôde ir fazer um teste comigo. Acabei fazendo na sala com um amigo meu e obviamente com a professora olhando. Foi aí que ela viu que era eu quem fazia as provas. Tirei a nota máxima no teste. Por fim a professora passou a fazer provas menores para mim.
Minha vida mudou duas vezes em pouco tempo
No segundo grau eu já tinha mais voz pra falar com alguns professores. O primeiro ano do colegial eu fiz no CEAN em Brasília. Lá eu vivi como nunca havia vivido. Tinha laboratório de informática, com uma máquina só para meu uso onde eu fazia as provas. Tinha sempre um professor para me ajudar quando cansava de digitar, pois na época ainda insistia em digitar com a mão e não com o pé, com o qual tenho muito mais facilidade. Minha mãe só me levava e me buscava na escola. Tive uma liberdade fora do comum para quem não anda, não fala direito, não faz nada com as mãos. Ficar na escola sozinha foi o máximo. Eu mesma resolvia tudo. Os professores me entendiam, me escutavam, ao contrário dos professores das outras escolas.
Meu pai veio a falecer quando tinha 17 anos. Foi triste. Fico pensando que agora só tenho minha mãe para cuidar de mim. Já esperava a morte dele, pois ele não se cuidava. Depois do ocorrido tive que mudar de Brasília. Voltei para Belo Horizonte onde toda a família da minha mãe mora. Fui para a escola terminar o colegial. Infelizmente voltei à estaca zero, já que tudo que eu tinha conquistado em Brasília, teria que conquistar novamente. No colégio que estudei, chamado Colégio Estadual Governador Milton Campos, não tinha computador para o uso dos alunos e eu era a única aluna com deficiência na escola. Minha mãe voltou a fazer as provas comigo e alguns professores não colaboravam.
Bons colegas de turma, lembro que tinha, pois precisava de muita ajuda na sala de aula. Eu sempre tentei ser amiga de todos e sempre era de bem com a vida, pois odeio quando olham para mim e falam “coitada, não anda e deve ser triste”. Isso não é verdade. Não é preciso ser “normal” para ser feliz.
Na escola tinha uma imagem de uma garota forte e determinada. Meus colegas me admiravam e me ajudavam muito, já que só tive acompanhante na sala por três anos escolares sendo que o resto fiquei sozinha. Adorava compartilhar as minhas alegrias e bons momentos com eles. Infelizmente poucos se tornaram amigos.
Tinha professor particular para matemática, física e química, pois como não fazia nada na sala, era apenas uma ouvinte e também fazia todos meus deveres em casa, o professor particular facilitava o aprendizado dessas matérias. Durante uma época eu fazia fisioterapia e não tinha tempo para nada, exceto para a escola. Ficava muito cansada. Com 15 anos deixei de fazer fisioterapia e me dediquei totalmente aos estudos. Agradeço a minha mãe por nunca ter desanimado e ter investido nos meus estudos em vez de tratamento para melhorar minha condição física, pois graças a isso pude terminar o segundo grau aos 19 anos.
Estudar foi uma luta. Sempre tinha pessoas que me tratavam como incapaz e que tinham preconceito, mas eu sempre tentei mostrar minha capacidade com atitudes fortes que pudessem me destacar. Aprendi que sempre terei muitas pedras no meu caminho, mas luto para tirar o máximo dessas pedras por onde ando para mim e para que outros como eu possam passar. Luto por um único sonho: ser alguém na vida.
Vida social
Sempre saí com meus amigos. Só comecei a ter realmente uma vida social quando fui chamada por um amigo para participar de um “fã clube” de anime (desenho japonês). Esse grupo se reunia para assistir anime todo mês e, fora isso, saíam para se divertir e conversar. Fui a uma reunião e só conhecia esse meu amigo e mais duas pessoas que estudavam na mesma escola que eu. Fui com a intenção de fazer amigos, então tentei conversar com as pessoas que eu via que eram mais calmas e que tinha certeza de que não iam sair chamando alguém para ver o que eu queria. Sempre faço isso. Fico olhando para cada um e, quem olhar para mim com um sorriso calmo, sei que posso falar um “oi”.
Assim que conheci esse grupo descobri que eles tinham um fórum na internet e resolvi entrar. Eles perguntaram quem eu era e, quando disse que era a garota da cadeira de rodas, todos que haviam me visto na reunião ficaram surpresos e espontaneamente cada um escreveu o que pensou de mim. Foi muito interessante. A internet depois daí virou minha voz. Eu encontrava meus amigos em locais muito barulhentos, que geralmente não dava para me escutar, já que falo mal. Era mais fácil para eles falarem comigo através da internet.
Esses foram os primeiros amigos que conquistei fora da escola. Eles me tratavam de um jeito muito especial. Lembro que quando me mudei para BH todos choraram. Foi muito triste e difícil, mas a primeira coisa que fiz quando cheguei em Belo Horizonte foi procurar um novo grupo de anime e fazer amizade, como fiz com os meus amigos de Brasília.
Amigos vêm e vão. Hoje tenho bons amigos que sempre gostam de conversar virtualmente e de encontrar quando a vida corrida deixa. Tenho amigos de cada época da minha vida e eles são tesouros para mim.
Na escola sempre tive mais afinidade com os homens, o que era motivo de zoação: “A Pri gosta dele”. Muitas vezes a amizade acabava por conta dessas piadinhas. As vezes gostava de um garoto e falava para ele, mas no mundo adolescente isso é muito difícil. Passei a mentir que tinha namorado no segundo grau, pois assim, as meninas paravam de zoar as minhas amizades com os meninos.
No mundo virtual vivi várias aventuras e frustrações. Entrava nesses sites de namoro apenas para rir, pois tinha medo e prometi a mim mesma que só iria fazer alguma loucura depois dos 35 anos, e até lá ia esperaria meu sapo encantado. Acreditem ele apareceu!
Em 2010, estava como diz a música: “Vivia em paz na solidão…”. Conheci o Glauber em Cabo Frio e como sempre eu pensava: “Vou ver qual é…”, “Não vai dar em nada”, “Em um mês ele some”. Porém, vi que Glauber não brincava ao falar: “Eu gosto de você! ”. E assim se tornou meu namorado por 5 longos anos. Ele fazia de tudo para me ver feliz e isso era muito fofo. Acabamos terminando por vários motivos, demos um tempo e só ele nos dirá para onde vamos.
Hoje só tenho a agradecer ao Glauber por me mostrar que tudo é possível, o que é o sexo, o que é o amor e por me ensinar a amar e ser amada. Minha eterna gratidão e amor ao meu primeiro namorado.
Faculdade
Desenhar e pintar me acalma, me faz pensar apenas no que estou fazendo e em mais nada. Às vezes preciso disso para enfrentar e ter paciência para continuar a minha luta. Então sempre quis fazer uma faculdade relacionada com desenho.
Queria entrar numa faculdade pública. Tentei primeiramente o vestibular para artes plásticas. Estudei em dois pré vestibulares e fiz aulas de desenho. Porém as provas de aptidão prévia exigia um desenho extremamente acadêmico. Minha professora de desenho sugeriu o curso de design gráfico. Passei no vestibular em 2008 na UEMG.
O designer é um projetista. No meu caso, não tenho que executar o projeto, por exemplo de uma embalagem. Tenho que fazer o projeto para que uma pessoa possa executar. Não tenho o que reclamar dos meus professores. Eles cobraram o mesmo ou mais de mim do que dos outros alunos. Uns foram mais receptivos do que outros. A estrutura e o apoio dos professores e dos coordenadores da Escola de Design foi para mim excelente. Eles me ouviam e me davam total ajuda e segurança. Nos comunicávamos mais por e-mail.
Foram vários desafios que tive que enfrentar na faculdade, mas foi também um grande aprendizado na minha vida com relação a convivência com as pessoas. Amei o curso, as várias possibilidades de trabalho e tudo que ele proporcionou na minha vida.
Escrevo poemas desde os 17 anos, meus pensamentos simplesmente criam poemas com meus sentimentos. E assim em 2005 publiquei meu primeiro livro, Poemas dedicados aos amigos. Foi uma grande realização e continuei escrevendo. Meu Trabalho de Conclusão de Curso foi a edição da coleção Sentimentos composta pelos meus dois livros de poemas,. O projeto busca despertar interesse e emoções através dos recursos editoriais. Foi um trabalho muito gostoso de fazer. Aproveitei meu projeto e lancei meu segundo livro, Pensamentos para o vento.
Priscila Fonseca, 2017